Dra. Natália Lima Nogueira comenta o requisito da lesividade na ação popular

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A ação popular como instrumento para defesa da moralidade administrativa: lesividade presumida

A ação popular constitui-se em importante instrumento colocado à disposição do cidadão para a defesa do patrimônio público, em sua mais ampla acepção. É a própria Constituição da República que, no rol dos direitos e garantias fundamentais, afirma, em seu artigo 5º, inciso LXXIII, que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe”.

Já a Lei nº. 4.717/65, que regulamenta a ação popular, estabelece que são nulos os atos lesivos ao patrimônio público nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade (artigo 2º). A conjugação dos dispositivos mencionados permite identificar, portanto, três requisitos para a propositura da ação popular: que seja ajuizada por cidadão brasileiro; que se trate de ato ilegal e lesivo ao patrimônio público.

Essa trilogia parece indicar, num primeiro momento, que não basta, para possibilitar o ajuizamento da ação popular, que o ato seja inválido; é também preciso que acarrete efetivo prejuízo aos cofres públicos, impondo-se ao autor popular, portanto, o ônus de demonstrar a existência de danos concretos ao erário, ou, do contrário, não terá sido atendido um dos pressupostos para o manejo da ação em referência.

Alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça declararam expressamente a necessidade de demonstração de prejuízo material ao patrimônio público, sob pena de ser julgada improcedente a ação popular (e.g., conferir REsp 445653/RS). Todavia, o próprio STJ já sinalizou que a questão deve ser encarada sob outro prisma quando se está diante de ação popular visando à defesa da moralidade administrativa, hipótese em que não se afigura necessária a comprovação de danos concretos aos cofres públicos.

Com efeito, como bem ressaltado em acórdão relatado pelo eminente Ministro José Delgado, “a moralidade administrativa é valor de natureza absoluta que se insere nos pressupostos exigidos para a efetivação do regime democrático” (STJ, EREsp 14.868/RJ, DJ 18/04/2005). Ou, nas precisas considerações do Ministro Humberto Martins, “a ação popular é a moralidade administrativa em movimento, com a particularidade de ser entregue nas mãos dos próprios cidadãos, que busca a tutela dos atos imorais da Administração Pública, ainda que não-lesivos ao erário” (STJ, AgRg no REsp 905.740/RJ, DJe 19/12/2008).

Desta feita, a utilização da ação popular como meio de se promover a defesa da moralidade administrativa não só é absolutamente possível em nosso ordenamento como prescinde, nessas hipóteses, de demonstração de efetivo prejuízo financeiro ao erário. O tão só fato de um ato configurar-se como imoral, porquanto atentatório aos princípios que devem nortear a Administração, faz presumir, por si só, a lesividade que autoriza o manejo da ação popular em defesa de valor tão caro à sociedade, qual seja, a retidão dos atos emanados da Administração Pública.

Especialmente em tempos de crise ética e moral, escancarada nos constantes escândalos envolvendo autoridades públicas que, valendo-se dessa condição, não hesitam em utilizar a máquina administrativa em benefício próprio, ganha relevo a ação popular, como bem destacado em outro importante precedente do Superior Tribunal de Justiça: “(…) Ao juiz não é lícito nem legítimo amesquinhar o conteúdo, o campo de aplicação ou a extensão dos remédios da Ação Popular, que deve ser prestigiada, sobretudo em época de decadência da textura ética em que se inserem os agentes políticos e servidores públicos do Estado” (STJ, REsp 453136/PR, DJe 14/12/2009).

Assim, sempre que confrontado com a prática de ato ofensivo à moralidade, e ainda que, aparentemente, inexista prejuízo financeiro aos cofres públicos, qualquer cidadão será parte legítima para pleitear sua desconstituição por meio do ajuizamento da ação popular, hipótese em que considerará presumida sua lesividade.

Fonte: HTJ advogados

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