Dra. Lívia Piana comenta sobre a admissibilidade da denúncia vazia na concessão comercial
Breves Comentários sobre a admissibilidade da denúncia vazia no Contrato de Concessão Comercial por prazo indeterminado
Lívia Gonçalves Pinho Piana de Faria
Nas lides forenses envolvendo a rescisão de contratos de concessão comercial pelo fabricante, comum tem sido a utilização pelos distribuidores do expediente da ação cautelar com o intuito de obstar os efeitos da extinção contratual.
O que buscam distribuidores com o expediente excepcional é a manutenção do contrato rescindido enquanto se aguarda o desfecho final do processo principal que, em regra, veicula a pretensão de rescisão do contrato e indenização por danos materiais e morais, em face da abusividade da notificação extintiva da relação de concessão comercial.
Não obstante o desvirtuamento da própria natureza e fins da ação cautelar, sem observância dos requisitos rígidos do art. 273 do Código de Processo Civil, o enfoque do presente trabalho será a prestação jurisdicional objeto da ação principal anunciada pela parte autora, ou seja, a legalidade da resilição unilateral do contrato firmado por prazo indeterminado, que deverá ser analisada à luz dos princípios gerais do direito das obrigações.
Inicialmente, a resposta à questão e a interpretação legislativa não podem se afastar de um princípio básico da Ciência do Direito: nenhum vínculo é eterno, razão pela qual nos contratos por prazo indeterminado é direito subjetivo de qualquer dos contratantes desvincular-se do ajuste a qualquer tempo pela simples manifestação de sua vontade que não precisa ser motivada, desde que respeitado o aviso prévio contratualmente estipulado.
É, aliás, um princípio do direito obrigacional o de que o contrato firmado sem indicação de prazo determinado de duração pode ser denunciado a qualquer momento por qualquer dos contratantes, sem abusar dessa faculdade na intenção de prejudicar a outra parte.
Nesse contexto, eventual abuso da ruptura de um ajuste por prazo indeterminado autoriza a sua preservação por imposição de vontade de apenas uma das partes contra a deliberação da outra? No direito contratual, em especial nas relações continuativas, o abuso, quando caracterizado, apenas conduz à indenização, sendo juridicamente impossível ao Poder Judiciário impor a continuidade de uma relação de prazo indeterminado a que uma das partes já manifestou a vontade de nela não prosseguir.
As relações contratuais são necessariamente temporárias e já nascem com o destino de extinguir-se a seu termo natural. A extinção natural de um contrato deve ocorrer no momento em que se cumprem as obrigações dele oriundas. Nesses termos, a execução é, essencialmente, o modo normal de extinção dos contratos.
Noutro giro, a resilição corresponde à extinção do contrato por meio de simples declaração de vontade de uma ou de duas partes contratantes. Admite-se, portanto, seja a resilição bilateral ou unilateral.
Nos contratos de execução continuada, desde que pactuados por prazo indeterminado, a denúncia de qualquer dos contratantes apresenta-se como forma normal de extinção de relação obrigacional.
Normalmente, as cláusulas que conferem às partes o poder de rescindir o contrato, desde que concedido aviso prévio razoável, nada tem de ilegal, mas é produto do ajuste de vontade das partes, conferindo a ambas a faculdade de sua não prorrogação ao término do prazo contratual.
Trata-se de um direito potestativo, ou seja, de uma faculdade de criar, por ato de vontade de apenas uma das partes, uma nova situação jurídica. Sua fonte pode estar na lei, em função da natureza de certos contratos, como pode localizar-se em cláusula do próprio contrato, onde as partes se reservam a faculdade de fazer cessar unilateralmente a relação obrigacional ou ainda ser o resultado de um princípio geral do direito, inarredável, o que se opera nos contratos de trato sucessivo em vigor por prazo indeterminado.
O caso de cabimento da resilição unilateral (denúncia) mais freqüente é, sem dúvida, o dos contratos por prazo indeterminado. Como a relação obrigacional não pode ser perpétua, fica sempre assegurada a qualquer das partes, e a qualquer tempo, a denúncia, como meio unilateral de libertar-se do contrato.
O que não se tolera, em tal deliberação, é que seja tomada de surpresa, havendo sempre necessidade de uma notificação à parte contrária, com uma certa antecedência (aviso prévio). Trata-se de uma faculdade que o contratante pode livremente exercitar, mas deve fazê-lo adequadamente e sem abuso, como orienta o art. 473 do Código Civil de 2002. Quando se serve o contratante da resilição unilateral de forma abrupta e com propósitos caprichosos e marcadamente nocivos, ocorre a configuração do abuso de direito que tem como única conseqüência a obrigação de pagar perdas e danos ao outro contratante.
Vê-se, pois, que o aviso prévio tem a finalidade de propiciar prazo suficiente para que a concessionária buscasse se adequar à nova realidade: ou mediante a celebração de novos contratos com outras empresas, ou ainda alienando o seu patrimônio a terceiro nele interessado.
Nos contratos de concessão comercial de duração indeterminada, a denúncia unilateral jamais será considerada ilícita ou abusiva se: a) transcorreu prazo razoável para a recuperação de eventuais investimentos; b) foi concedido aviso prévio com prazo igualmente razoável para que as partes se adaptassem à extinção.
Também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não discrepa da orientação segundo a qual a não prorrogação do contrato de concessão comercial é ato lícito:
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS. NÃO-RENOVAÇÃO APÓS O TÉRMINO DO PRAZO PACTUADO, MEDIANTE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. ATO ILÍCITO.INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO.
Consoante entendimento perfilhado pela Terceira Turma em casos semelhantes aos destes autos, não constitui ato ilícito, gerador do devedor de indenizar, quando há disposição contratual assegurando às partes interromper o negócio de distribuição de bebidas, após atingido o termo final do contrato, não havendo, pois, que se falar em cláusula abusiva ou potestativa.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 493.159/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 13/11/2006 p. 241)
RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS – NÃO-RENOVAÇÃO APÓS O TRANSCURSO INTEGRAL DO PRAZO PACTUADO – INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO – CC/16, ART. 159.
– Atingido o termo final do contrato, a falta de interesse em renovar contrato de distribuição de bebida – inda que amparada unicamente no interesse de obter maior lucro – não constitui ato ilícito, gerador do dever de indenizar.
– O direito civil brasileiro ressalvadas as hipóteses legalmente previstas de responsabilidade objetiva ou contratual consagra a responsabilidade aquiliana.
– Viola o Art 159 do Código Beviláqua, a decisão que condena a prestar indenização quem observando cláusula contratual não prorroga contrato que atingiu seu termo final. (REsp 766012/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 07/11/2005 p. 284)
Por todo o exposto, observados os requisitos – aviso prévio e vigência do contrato por um prazo razoável – a denúncia do contrato é direito fundado nas mesmas razões econômicas e morais que justificam a extinção do contrato no termo ajustado previamente pelas partes, na linha da jurisprudência apontada. Lembre-se que a provisoriedade do contrato de concessão é da sua essência, e não coaduna com os princípios gerais do direito privado a sujeição eterna do indivíduo a uma relação contratual.
Fonte: HTJ advogados