Dra. Natália Lima comenta sobre a decadência e a propositura de ação contra apenas um litisconsorte

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A propositura de ação contra apenas um dos litisconsortes necessários: considerações a respeito da decadência.

A decadência pode ser definida como a perda de um direito em virtude da inércia de seu titular em exercê-lo dentro do prazo legal. Diferentemente da prescrição, que acarreta simplesmente a perda da pretensão, os direitos sujeitos a prazo decadencial já nascem vinculados a uma duração certa e extinguem-se caso não sejam exercidos pelo titular em tempo útil. Outra diferença substancial entre prescrição e decadência refere-se à possibilidade de suspensão e interrupção da primeira em diversas hipóteses legais. O prazo decadencial, por sua vez, é fatal e somente pode ser impedido pelo exercício do direito antes do termo final previsto na lei.

Nesse contexto, cumpre verificar quando se considera exercido, de fato, o direito, ou, em outras palavras, qual é o ato do titular capaz de obstar os efeitos da decadência. A indagação torna-se especialmente relevante diante de hipótese em que o titular, na intenção de fazer prevalecer direito sujeito a prazo decadencial cujo exercício depende necessariamente do ajuizamento de ação judicial, propõe a demanda contra apenas um dos litisconsortes necessários. Tome-se como exemplo o direito de anular negócio jurídico na hipótese de restar configurada fraude contra credores. O exercício deste direito depende do ajuizamento da chamada ação pauliana, sujeita ao prazo decadencial de quatro anos previsto no art. 178, II do Código Civil. Destinando-se a demanda à declaração de nulidade de negócio jurídico, é obrigatória a presença, no polo passivo, tanto do alienante quanto do adquirente do imóvel supostamente alienado em fraude, tratando-se, pois, de nítida e inafastável hipótese de litisconsórcio necessário.

Diante, pois, desse cenário, é que se indaga: ajuizada a ação pelo autor apenas contra um dos litisconsortes necessários a simples distribuição da ação impede a continuidade do fluxo do prazo decadencial?

A questão perpassa pela análise da natureza da decadência, dos efeitos decorrentes da não observância do litisconsórcio necessário e da legitimação para estar em juízo. Investigada à luz desses institutos, a solução que se vislumbra para o problema proposto é no sentido de que a ação ajuizada contra apenas um dos litisconsortes necessários não obsta os efeitos da decadência, ou seja, não impede que permaneça fluindo o prazo estabelecido pela lei ao final do qual o direito terá perecido.

A conclusão ressai, primeiramente, da característica inerente aos prazos decadenciais, fatais por natureza e não sujeitos em hipótese alguma a causas de suspensão ou interrupção. Somado a isso, há de se atentar, ainda, para a consequência atribuída pela lei ao processo em que falte um dos litisconsortes necessários. Nos termos doa art. 47 do CPC, “a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”, ou seja, ausente um dos litisconsortes, o processo é nulo e o provimento nele exarado incapaz de produzir quaisquer efeitos.

O Prof. Humberto Theodoro Júnior, ao discorrer sobre as diferenças entre a prescrição e a decadência, especificamente sobre os casos de litisconsórcio necessário e interrupção da prescrição, assim se pronuncia:

“Questiona-se, às vezes, sobre se o litisconsórcio necessário se submeteria, em matéria de interrupção da prescrição, ao regime das obrigações solidárias, ou não.

O problema está em dimensionar o efeito da citação, quando não se estende a todos os litisconsortes dentro do prazo da prescrição. Urge definir se o autor que não promover a in ius vocatio de todos os litisconsortes necessários, poderia fazê-lo com eficácia, depois de consumado o termo prescricional, valendo-se do prazo processual previsto no art. 47, parágrafo único do CPC.

Os que pretendem validar a tardia citação invocam a regra própria da interrupção das pretensões derivadas das obrigações solidárias, já que diante delas, basta interromper a prescrição contra um dos coobrigados para que todos os demais sofram os efeitos da citação (art. 204, §1º).

Acontece que o litisconsórcio necessário nem sempre se assenta sobre obrigação solidária, pois às vezes decorre de simples imposição da lei. Além disso, o prazo que se estabelece entre os litisconsortes, muitas vezes, é decadencial e não prescricional.

Assim, se se tratar realmente de obrigação solidária, os litisconsortes serão todos atingidos pela interrupção desde que um deles, pelo menos, seja citado no prazo útil (antes de consumada a prescrição). Esse efeito expansivo, no entanto, não terá nascido do litisconsórcio, mas da relação jurídica material que nele se debate.

Quando, porém, o prazo para o exercício da ação for decadencial (por exemplo: o da ação de anulação de negócio jurídico por vício de consentimento, ou o da ação rescisória de sentença), o litisconsórcio necessário, ou não, nenhuma repercussão terá sobre a situação dos interessados cuja citação não se verifique antes de expirado o prazo extintivo da ação. É que os prazos de decadência não se suspendem nem se interrompem, são fatais” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. v. 3, t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 293/294).

Deste modo, o simples ajuizamento da ação, sem a indicação de todos os litisconsortes necessários, não obsta o decurso do prazo decadencial porquanto o direito de ação foi exercido de forma irregular e será inapto a produzir quaisquer efeitos.

Exatamente nesse sentido se inclina a jurisprudência majoritária do STJ:

“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO RESCISÓRIA. PROPOSITURA APENAS EM FACE DE PARTE DOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO ORIGINÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CORREÇÃO. DECADÊNCIA.

1. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram partes no processo cuja sentença é objeto de rescisão.

2. A propositura de ação rescisória sem a presença, no polo passivo, de litisconsorte necessário somente comporta correção até o prazo de dois anos disciplinado pelo art. 495 do CPC. Após essa data, a falta de citação do litisconsorte implica a decadência do direito de pleitear a rescisão, conduzindo à extinção do processo sem resolução do mérito.

3. Embargos de divergência conhecidos e providos”. (STJ, Corte Especial, EREsp 676.159/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, ac. 01/12/2010, DJe 30/03/2011)

Nos termos da jurisprudência predominante no STJ, a falha do autor ao não incluir na lide litisconsortes passivos necessários apenas pode ser suprida enquanto não decorrido o prazo decadencial. Entender de forma diversa, permitindo a citação tardia do litisconsorte após haver decorrido o prazo de caducidade do direito, implicaria em autorizar a formação de uma nova relação jurídico processual quando já escoado o prazo decadencial.

Não obstante, há precedente reconhecendo a possibilidade de o autor promover a citação dos litisconsortes necessários não incluídos inicialmente no polo passivo da demanda mesmo após escoado o prazo decadencial ao fundamento de que “o direito potestativo, por sua própria natureza, considera-se exercido no momento do ajuizamento da ação, quando então cessa o curso do prazo de decadência em relação a todos os partícipes do ato fraudulento”.

Confira-se:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PAULIANA. DECADÊNCIA. CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO UNITÁRIO APÓS DECORRIDO O PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO. NÃO-CONFIGURAÇÃO DA DECADÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE SE CONSIDERA EXERCIDO NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 178, § 9º, V, B, DO CC/16.

(…) 3- A ação pauliana tem natureza pessoal, e não real, razão pela qual não é necessária a citação dos cônjuges do devedor-doador e dos donatários.

4- Necessidade, contudo, de citação do cônjuge do devedor que participou do contrato de doação por força do inciso II do art. 10 do Código de Processo Civil.

5- A citação extemporânea de litisconsorte necessário unitário, após decorrido o prazo de quatro anos para a propositura da ação que visa à desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude a credores, não enseja a decadência do direito do credor.

6- O direito potestativo, por sua própria natureza, considera-se exercido no momento do ajuizamento da ação, quando então cessa o curso do prazo de decadência em relação a todos os partícipes do ato fraudulento.

7- Ausência de violação ao art. 178, § 9º, V,b, do Código Civil de 1916.

RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(STJ, 3ª T., REsp 750135/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ac. 12/04/2011, DJe 28/04/2011)

Com as devidas vênias do entendimento ora colacionado, entendemos inadequada a orientação. O precedente citado parte da premissa de que “o direito potestativo (…) considera-se exercido no momento do ajuizamento da ação”, ato processual suficiente para obstar “o curso do prazo de decadência em relação a todos os partícipes do ato fraudulento”. Porém, tratando-se de hipótese de litisconsórcio necessário unitário, como admitido no julgado, e olvidando o autor da demanda de indicar um deles no polo passivo, o simples ajuizamento da ação e a citação de apenas um dos réus não tem o efeito de impedir o fluxo do prazo decadencial relativamente àquele que não é parte no processo. Do contrário, estar-se-ía admitindo a possibilidade de um ato processual alcançar a esfera de direitos daquele que não figura como parte, consequência que apenas a lei (e não a jurisprudência) pode atribuir. Veja-se, por exemplo, o que dispõe o art. 42, §3º do CPC:

“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes.

(…) §3º. A sentença, proferida entre partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário.”

Nessa hipótese, estabeleceu o legislador que a sentença proferida entre as partes estende seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário do bem, ainda que não tenha se operado a substituição processual. Em face, pois, de previsão legal expressa, admite-se que atos processuais alcancem quem não tenha integrado a lide, como ocorre nos casos em que o bem litigioso é alienado no curso do processo. Trata-se, contudo, de exceção legal, razão porque entendemos inadequado o entendimento jurisprudencial ora comentado ao atribuir ao simples ajuizamento da ação e superveniente citação de um dos litisconsortes o efeito de impedir a ocorrência da decadência relativamente àquele que sequer foi indicado como parte. A propositura da ação nessas condições equivale a um exercício inútil do direito de ação na medida em que o provimento ao final prolatado será totalmente ineficaz.

Por todas essas razões, entendemos, em suma, que ao titular de direito sujeito a prazo decadencial impõe-se o ônus de exercê-lo de forma regular, eficiente e útil, o que, tratando-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, depende da oportuna citação de todos eles, sendo insuficiente para o fim de obstar os efeitos da decadência a mera distribuição da ação em que figure como réu apenas um dos litisconsortes.

Fonte: HTJ advogados

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