Artigo – Os contratos de franquia e os riscos trabalhistas – redigido por Fernanda Theodoro Gomes

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   Os contratos de franquia e os riscos trabalhistas – artigo redigido por Fernanda Theodoro Gomes

  1. A Responsabilidade Trabalhista nos Contratos de Franquia

Como é sabido, nos contratos de franquia, os franqueados pagam ao franqueador para utilizar a marca, os produtos e o know-how, no entanto, franqueado e franqueador gerem de forma independente os seus próprios negócios.

Como é sabido, nos contratos de franquia, os franqueados pagam ao franqueador para utilizar a marca, os produtos e o know-how, sendo certo, no entanto, que os contratantes gerem de forma independente os seus próprios negócios.

Do ponto de vista trabalhista, via de regra, não haverá qualquer responsabilidade trabalhista do franqueador com relação aos funcionários do franqueado, tampouco haverá vínculo de emprego entre o franqueador e o franqueado, conforme art. 2º[1], da Lei 8.955/94.

Com efeito, é ínsito à natureza do negócio uma certa interferência do franqueador, de modo a garantir a qualidade do serviço ou produto ofertado pelo franqueado, sem que isso desvirtue o instituto da franquia e gere responsabilidade para aquele. Nesse sentido é a jurisprudência dos tribunais trabalhistas, consoante se dessume dos arestos abaixo colacionados:

 

CONTRATO DE FRANQUIA. LOJA DE CELULARES. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA FRANQUEADORA INEXISTENTE. Se da prova coligida emerge que o vínculo existente entre as empresas que ocupam a polaridade passiva da lide, para a revenda/representação de produtos da segunda ré, se deu nos moldes de um contrato de franquia, regido pela Lei n. 8.955/94, com fiscalização mínima da franqueadora, e ainda assim visando à preservação da marca e qualidade dos serviços, e não de fornecimento de mão-de-obra, tem-se por inaplicável ao caso o entendimento da Súmula n. 331 do TST. Recurso da autora não provido. (TRT da 23.ª Região; Processo: 0000633-93.2014.5.23.0021 RO; Data: 16/09/2015; Órgão Julgador: 2ª Turma-PJe; Relator: MARIA BEATRIZ THEODORO GOMES)

 

“CONTRATO DE FRANQUIA – CARACTERIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA EMPRESA FRANQUEADORA – IMPOSSIBILIDADE. Dispõe a Lei nº 8.955/94, em seu artigo 2º, que a franquia empresarial (franchising) é "o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi- exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício." O quadro fático descrito pelo Regional se insere no aludido conceito. Com efeito, registra o TRT que "Na hipótese em comento, a segunda reclamada firmou com a primeira contrato de franquia e/ou representação comercial, para a comercialização de anúncios publicitários, assinaturas do jornal e divulgação do nome do Correio Braziliense, conforme noticiados pelas reclamadas e não rebatido pelo autor, tendo inclusive, a primeira ré ajuizado na Justiça Comum, ação de indenização contra a segunda reclamada, com base neste mesmo contrato de franquia e/ou representação comercial". Consigna, outrossim, que, de acordo com o "contrato civil firmado pelas reclamadas que o Correio Braziliense S/A cedeu o uso da logomarca à primeira ré, a qual se obrigou a zelá-la e dos respectivos produtos comercializados, de modo a manter o padrão de qualidade e conceito, isto é, utilizando-se do 'know how' e 'marketing' da franqueadora, sob pena de dar justa causa para a rescisão contratual"; que "pelo pacto, ficou ajustado que a franqueada perceberia 30% sobre a venda de anúncios publicitários denominados PA e 20% sobre a venda original das assinaturas do jornal correio braziliense, correndo a execução do pacto por conta da franqueada" e que "jamais existiu qualquer empregado ou responsável do 2º reclamado ordenando ou fiscalizando qualquer atividade laboral de qualquer empregado do 1º reclamado, desconhecendo se o 2º reclamado detinha poder de admissão de empregados para o 1º reclamado, salientando que todos os empregados do 1º reclamado estavam vinculados do comando deste e não do 2º reclamado; que o proprietário do 1º reclamado era quem detinha poder de organização, comando, direção, fiscalização e de punição acerca da própria atividade empresarial da empresa e dos empregados por ele contratado, sem intervenção ordenatória ou vinculativa pelo 2º reclamado. Consoante se constata, o Regional enfatiza que as reclamadas firmaram contrato de franquia para a comercialização de anúncios publicitários, assinaturas de jornal e divulgação, e que o próprio reclamante admitiu que apenas a reclamada franqueada (Orion Silva de Oliveira) que o contratou, organizava, dirigia e fiscalizava o seu labor, sem nenhuma interferência da reclamada franqueadora (S.A. Correio Braziliense). A relação jurídica se identifica como de cessão de direito de uso de marca ou patente, associada ao direito de distribuição de produtos ou serviços, mediante remuneração direta ou indireta, como disposto no art. 2º da referida Lei nº 8.955/94. Não há, assim, que se falar em responsabilidade subsidiária da franqueadora, uma vez que a relação jurídica entre as reclamadas decorre das peculiariedades inerentes ao próprio contrato de franquia. A franqueadora não se constitui como empresa tomadora de serviços e, por isso, não há que se aplicar o Enunciado nº 331, IV, do TST. Recurso de revista não provido”. (RR – 133100-10.2001.5.10.0003 , Relator Ministro: Milton de Moura França, Data de Julgamento: 02/06/2004, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 25/06/2004)

 

RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE FRANQUIA. MARCA OU PATENTE. DIREITO DE USO. ENTREGA DE ATIVIDADE-FIM. POSSIBILIDADE. GRUPO ECONÔMICO TRABALHISTA. NÃO CONFIGURAÇÃO I. Os contratos de franquia e assemelhados visam a promover a cooperação entre empresas, proporcionando ao proprietário de uma marca conhecida maior participação no mercado e ao comerciante o direito de uso da marca, da tecnologia, do estudo de mercado e do sistema de gestão. II. Conquanto somem esforços para alcançar objetivos comuns, os contratos dessa natureza caracterizam-se pela autonomia da personalidade e do patrimônio dos contratantes. III. Da moldura fática delineada no acórdão regional não se verifica a subordinação direta do Reclamante à empresa dona da marca, tampouco uma ingerência tão rigorosa que autorize a declaração de nulidade do "ACORDO DE RELACIONAMENTO COMERCIAL", muito assemelhado ao contrato de franquia, celebrado pelas Reclamadas. IV. O atrativo do contrato celebrado consiste na higidez da marca do franqueador e, em razão disso, cabe ao dono da marca zelar intensamente pela preservação de sua imagem no mercado, sem que isso se traduza em fraude, tampouco na configuração de grupo econômico trabalhista. Precedentes. V. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento, para excluir a responsabilidade solidária imposta ao dono da marca. (TST, RR – 11365-41.2013.5.18.0011 , Relator Desembargador Convocado: Ubirajara Carlos Mendes, Data de Julgamento: 06/06/2018, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/06/2018)

 

RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO DE FRANQUIA. LEI Nº 8.955/94. TERCEIRIZAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA AFASTADA. Sendo exclusivamente comercial o contrato formal de franquia celebrado entre duas empresas, com o objetivo de comercialização de produtos e serviços de marcas da franqueadora, e não havendo prova bastante de desvirtuamento do contrato ou fraude aos preceitos da legislação trabalhista, descabe falar em terceirização e, por conseguinte, em responsabilidade da franqueadora pelos créditos trabalhistas reconhecidos. (TRT da 3.ª Região – MG; PJe: 0011816-93.2016.5.03.0103 (RO); Disponibilização: 27/08/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2088; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Rosemary de O.Pires)

 

  1. Riscos Trabalhistas Identificados:

Por outro lado, caso a ingerência do franqueador seja considerada excessiva, poderá ser reconhecido judicialmente o desvirtuamento do instituto, o que implicará, por exemplo, na responsabilização do “franqueador”, com relação aos funcionários do “franqueado”, solidária ou subsidiariamente.

Outrossim, haverá risco trabalhista quando o contrato de franquia for utilizado para mascarar outros tipos de relação jurídica. Isso ocorre porque no direito do trabalho aplica-se o princípio da primazia da realidade, segundo o qual pouco importa o rótulo dado às relações jurídicas, sempre deverá prevalecer a verdade real apurada, na esteira do quanto preconiza o art. 9º da CLT.

Esse princípio é aplicado para todas as relações de emprego (contratos de franquia, de prestação de serviços, e mesmo nos contratos de trabalho – CLT, etc). Assim, na Justiça do Trabalho o que impera é o que de fato ocorria na relação tida entre as partes, e não o que foi documentado.

Nesse contexto, um documento poderá facilmente ser desconsiderado em uma reclamação trabalhista, se da análise do conjunto probatório (outros documentos escritos, prova testemunhal, depoimento pessoal das partes, etc) o magistrado constatar que na realidade o vínculo tido entre as partes era de outra natureza, que não o que foi intitulado no contrato.

Destarte, a utilização de um contrato denominado como de “franquia” por si só não anula os riscos trabalhistas de reconhecimento de responsabilidade solidária, ou subsidiária, ou mesmo o reconhecimento de vínculo de emprego com o “franqueador”, pois, se ficar constatado que o objeto e as características do contrato não eram de fato os de um contrato de franquia, como estabelece o art. 2º da Lei de franquia, prevalecerá a realidade apurada no caso concreto, com a aplicação de responsabilidade ao “franqueador”.

Assim, após análise da jurisprudência, identificou-se riscos trabalhistas para o franqueador quando o contrato de franquia é utilizado para mascarar uma relação de emprego.

Nesses casos, poderá ser reconhecida: (i) a responsabilidade solidária entre “franqueador” e “franqueado” – quando na realidade se tratar de grupo um econômico (art. 2º, § 2º da CLT[2]) e não de relação de franquia; (ii) a responsabilidade subsidiária (Súmula 331, IV, TST[3]) entre “franqueador” e “franqueado” – quando o contrato nomeado como de franquia, for na realidade de prestação de serviçosou (iii) vínculo de emprego, direto entre o “prestador de serviços/franqueado” com o “tomador de serviços/franqueador”.

Nesse sentido a jurisprudência em destaque a seguir:

 

GRUPO ECONÔMICO E NÃO FRANQUIA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA:

 

“Assim, diante do entrelaçamento das duas empresas que figuram como devedoras na execução de crédito trabalhista e da inexistência de elementos nos autos que autorizem a limitação da responsabilidade da agravante, enquanto integrante do grupo econômico, mantenho a responsabilidade solidária decretada na origem, de rigor o reconhecimento de grupo econômico, bem como da responsabilidade solidária das empresas reclamadas, com base no artigo 2º, § 2º da CLT”. (TST-ED-AIRR-744-78.2010.5.02.0255).

 

VÍNCULO DE EMPREGO E NÃO FRANQUIA:

 

“Tenho defendido a legalidade da terceirização, através de contratações de natureza autônoma nos moldes de prestação civil, como necessidade para o acompanhamento do progresso das relações comerciais, desde que não se busque a contratação de determinado trabalhador de forma indireta, burlando norma jurídica unicamente para se eximir de obrigações trabalhistas.

No presente caso encontra-se evidente a existência de uma relação empregatícia, mascarada por um contrato de natureza autônoma.

Pelos termos da defesa e do depoimento do preposto, combinados com o contrato social da empresa, verifica-se ser a reclamada nada mais que uma escola de idiomas que contrata professores para ministrar aulas a seus alunos, sob o disfarce de subfranquia.

O preposto se refere várias vezes à reclamada como escola e à reclamante como professora, esclarecendo que era a empresa quem 'encaixava os professores' na grade horária. Disse, ainda, que não havia participação da reclamante nos lucros ou prejuízos da empresa e se refere à contraprestação devida aos professores como 'salário'.

Restou patente que a reclamada oferecia treinamento aos contratados e que os horários das reuniões em que a autora deveria comparecer eram remunerados (fls. 67/68).

Ora, se fosse realmente uma franquia ou subfranquia, não haveria necessidade de pagar os horários das reuniões, pois o comparecimento seria de interesse exclusivo do franqueado.

De resto, claro está que a escola era que tratava com os alunos, não havendo qualquer relacionamento da reclamante com os clientes, exceto no horário em que ministrava as aulas.

Portanto, por todos os ângulos que se analisar, verifica-se realmente presente uma relação de emprego entre as partes.

Ademais, a alegação de subfranquia com os professores é querer"forçar" demais a burla às leis de proteção ao trabalho. É que na condição de escola de idiomas, a reclamada necessitava de professores para cumprir sua atividade-fim, contratando profissionais para tal mister sob o disfarce de um contrato autônomo.

Admitir a postura e atitudes da reclamada seria abrir precedente perigosos, tendo em vista que todas as escolas particulares do país deixariam de ter empregados para contratar apenas profissionais autônomos, eximindo-se das obrigações trabalhistas que ainda protegem a parte economicamente mais fraca” (TST-AIRR-585.730/1999.1).

 

TERCEIRIZAÇÃO E NÃO FRANQUIA:

 

CONTRATO DE FRANQUIA – CORRETOR DE SEGUROS – VÍNCULO DE EMPREGO – CARACTERIZAÇÃO. Para se configurar a relação de emprego é necessário o preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT, quais sejam: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. Presentes tais requisitos, deve-se reconhecer a relação de emprego, sendo certo que, nos termos do art. 9º da CLT, deve ser declarado nulo qualquer ato que vise a afastar a responsabilidade decorrente da relação de emprego. No processo do trabalho, em vista do princípio da primazia da realidade, pouco importa o rótulo dado às relações jurídicas, devendo a verdade real superar a forma. Assim é que a Lei 8.955/94, que rege o contrato de franquia, ou mesmo a Lei 4.959/64, que regula a profissão do corretor de seguros, não impossibilitam o reconhecimento da relação de emprego quando comprovados os pressupostos fático-jurídicos elencados nos artigos 2º e 3º da CLT. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011257-15.2016.5.03.0111 (RO); Disponibilização: 11/09/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 3266; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Rosemary de O.Pires)

 

  1. Conclusão:

Por todo o exposto, a conclusão que se alcança é a de que inexistirá responsabilidade trabalhista do franqueador, com relação ao franqueado, desde que não seja possível extrair da relação a presença dos requisitos do contrato de emprego, consubstanciados nos arts.2º e 3º da CLT, e que, por corolário, o contrato seja realmente uma franquia.

 


[1] “Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”

[2] “Art. 2º (…) § 2o  Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.

[3] IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 

 

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