Dr. João Gabriel Duarte comenta sobre a sociedade de cônjuges e a abrangência do art. 977 do CC/02

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SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES: ABRANGÊNCIA DA NORMA DO ART. 977 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

João Gabriel Duarte Nunes da Silva

Advogado

O art. 977 do Código Civil de 2002 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao permitir expressamente a constituição da sociedade entre cônjuges, ressalvando essa possibilidade apenas quando eles forem casados no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória. Observa-se que, com o fim de evitar seja a contratação da sociedade mera ficção ou instrumento para realização de fraudes, restringiu-se a possibilidade de formação do empresário coletivo quando os sócios se qualifiquem como cônjuges.

Dúvida recentemente levada à apreciação do Superior Tribunal de Justiça consistiu em saber se o disposto no mencionado artigo, que impede os cônjuges de contratarem sociedade entre si quando casados no regime de comunhão universal de bens, se aplica apenas à constituição de sociedades empresárias ou veda também a contratação de sociedades simples.

Sustentam alguns que as limitações legais do art. 977 do CC/02 não se aplicariam às sociedades simples, mas tão-somente às empresárias, porquanto estaria a norma inserta dentre as disposições que regulam especificamente a capacidade para ser empresário, aplicando-se, pois, apenas às sociedades empresárias, que, na forma do art. 982 do CC/02, são aquelas que possuem por objeto o exercício da atividade própria de empresário sujeito a registro. Lado outro, há os que argumentam que inexiste relevante distinção entre as sociedades empresárias e simples, pelo menos no que concerne à sua forma de organização, não se justificando, assim, a restritiva aplicação do art. 977 do CC/02 apenas às sociedades que assumem a roupagem empresarial.

Como é sabido, as sociedades são classificadas em duas categorias diversas: as sociedades empresárias e as sociedades simples ou não-empresárias. Essa classificação possui enorme interesse prático, porquanto condiciona a incidência de numerosas normas especiais, ora destinadas a apenas uma das categorias enfocadas ora destinadas a ambas, como é o caso do art. 977 do CC/02.

Conforme estabelece o art. 982 do CC/02, o traço diferenciador entre as sociedades empresárias e as simples é o fato de as primeiras terem por objeto o exercício de atividade sujeito a registro. Mais adiante, em seu art. 983, a Lei Civil faculta às sociedades simples que não desejarem subordinar-se às normas que lhes são próprias, constituírem-se de conformidade com qualquer um dos tipos regulados nos artigos 1.039 a 1.042 do mesmo código, exceto os previstos para as sociedades por ações. Significa isso dizer que, pouco importa a forma sob a qual é constituída a sociedade, a não ser que a própria lei, excepcional e compulsoriamente, lhe imponha uma natureza específica. A natureza empresária ou não-empresária da sociedade depende sim do objeto escolhido por seus sócios, e mais, do conteúdo da atividade efetivamente desenvolvida.

Conclui-se, assim, que não vacilou o legislador ao ditar no art. 977 do CC/02, apenas o termo “sociedade”, devendo seus mandamentos serem aplicados indistintamente tanto àquelas de natureza empresária quanto simples. Isso porque, inexiste relevante distinção quanto a tais tipos societários no que concerne à sua forma de organização, não havendo razão para se restringir a aplicação do dispositivo legal apenas às sociedades de natureza empresarial. O escopo pretendido pelo legislador foi evitar a contratação de sociedade entre cônjuges, ou entre estes com terceiros, para a realização de fraudes, o que não seria atingido acaso se permitisse a contratação de sociedade de natureza simples.

Não se sustenta, da mesma forma, a argumentação no sentido de que a localização do art. 977 na estrutura do CC/02 indicaria que o mesmo só seria aplicado às sociedades empresárias. Com efeito, verifica-se que sempre que o legislador se referiu exclusivamente ao empresário ou à atividade de empresa, o fez de forma expressa, somente não fazendo menção a essa característica no já mencionado artigo, utilizando a expressão “sociedade”, sem estabelecer qualquer especificação, o que nos leva a crer que deva ser aplicado a todos os tipos societários indistintamente.

Fonte: HTJ advogados

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