Dra. Natália Lima comenta sobre a responsabilidade tributária pessoal do sócio e o ônus da prova

COMPARTILHE

A responsabilidade tributária pessoal do sócio ou administrador e a questão do ônus da prova: o impacto do julgamento do Recurso Especial 1104900/ES, submetido à sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil.

A responsabilidade pelo adimplemento das obrigações tributárias contraídas pela sociedade, em regra, está adstrita apenas à pessoa jurídica, eis que dotada de personalidade e titular de patrimônio próprio destinado a honrar seus compromissos (patrimônio social). A lei, no entanto, previu algumas situações excepcionais, como a que se encontra estampada no artigo 135 do Código Tributário Nacional, em que a responsabilidade pelo cumprimento de obrigação tributária contraída originalmente pela sociedade empresária poderá ser estendida a terceiros alheios ao vínculo primitivo e ao próprio fato gerador.

No inciso III do referido dispositivo estão previstas as hipóteses em que os sócios, gerentes e administradores da pessoa jurídica de direito privado poderão ser responsabilizados pessoalmente por obrigações tributárias da sociedade em virtude de ato praticado com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos. Assim, para que se invoque a responsabilidade do gestor, é indispensável a configuração da conduta dolosa, reveladora da prática de atos de abuso de gestão ou ato ilícito, não se considerando, para tal fim, a mera ausência de recolhimento do tributo.

Questão tormentosa, embora a princípio de fácil solução, diz respeito a quem compete o ônus de provar que o sócio gerente tenha praticado ato ilícito ou abusivo que justifique sua responsabilização pessoal pelas dívidas tributárias da sociedade. De fato, ao inscrever determinado crédito em dívida ativa, a indicação da pessoa jurídica como responsável é automática, mas a atribuição de responsabilidade pessoal ao administrador não. Esta, em verdade, depende da existência de alguma hipótese legal que autorize a responsabilização excepcional. Caso contrário, não se estaria em face de norma de exceção.

Neste contexto, caberia ao Fisco, suspeitando de que o inadimplemento, em determinado caso, não decorra apenas de dificuldades financeiras da sociedade empresária, investigar eventual prática de ato doloso e abusivo por parte de seus dirigentes, ainda em processo administrativo, conferindo a todos os acusados o direito ao contraditório e à ampla defesa. Feito isso, e apurado na esfera administrativa que o sócio-gerente tenha, efetivamente, concorrido, com dolo, para o não adimplemento das obrigações da sociedade, deveria proceder-se à sua inclusão na Certidão de Dívida Ativa como responsável tributário pelo pagamento da dívida. Pela lógica, portanto, e pela própria redação da lei, o ônus de demonstrar a configuração, ‘in concreto’, das hipóteses ensejadoras da responsabilização pessoal e extraordinária, caberia, assim, ao próprio Estado.

Ocorre que, na prática, a realidade é bastante diversa. O procedimento padrão adotado pelos órgãos fazendários, especialmente estaduais e municipais, consiste em impulsionar o processo administrativo apenas e tão somente em face da sociedade. Esgotada a possibilidade de recurso, o crédito tributário é inscrito em dívida ativa e, neste momento, depois de exaurido todo o procedimento, os sócios e diretores são incluídos automaticamente na Certidão de Dívida Ativa, mesmo que não haja qualquer fundamento para a sua inclusão.

Ajuizada a execução fiscal, deveria o Estado, ao menos, indicar na petição inicial os fatos que, em tese, justificariam a responsabilidade pessoal do administrador, apresentando os documentos ou outros meios de prova capazes de corroborar as alegações. O que se vê, todavia, é que, não raras vezes, não há sequer imputação de fato ou ato específico aos administradores, que apenas se tornam cientes da pretensão do Fisco quando seus bens estão prestes a sofrerem atos de constrição. Trata-se de conduta que foge à lógica do razoável e ofende a ‘mens legis’, pois a possibilidade, excepcional, de se atribuir ao administrador responsabilidade pessoal pelos débitos tributários da sociedade não autoriza sua inclusão automática como devedor.

Neste contexto, e quando se acreditava sedimentado o entendimento firmado pelo STJ no início da presente década, no sentido de impor ao Fisco o ônus de provar a prática de atos abusivos por parte daquele a quem pretendesse atribuir responsabilidade pessoal pelo pagamento do débito tributário, a jurisprudência alterou-se drasticamente. No julgamento Recurso Especial 1104900/ES (STJ, 1ª Seção, REsp 1104900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, ac. 25/03/2009, DJe 01/04/2009), submetido à sistemática dos recursos repetitivos, concluiu-se exatamente o contrário do que vinha sendo decidido há anos: é do sócio ou administrador a responsabilidade de demonstrar que não agiu com excesso de poderes quando seu nome esteja incluído na Certidão de Dívida Ativa, na qualidade de responsável pessoal pelo pagamento do crédito tributário, dada a presunção de certeza e liquidez do título.

Essa constatação, em última análise, implica em transferir ao coobrigado, quando seu nome esteja incluído na CDA, o ônus de provar que não incide, na hipótese, a responsabilidade prevista no art. 135, III do CTN, ainda que não haja imputação direta, pelo Estado, de prática dos atos ali previstos. Embora o precedente tenha a finalidade de unificar a interpretação legal, sujeitando todos os recursos pendentes de julgamento ao mesmo desfecho, a decisão merece críticas, justamente por subverter a natureza excepcional da responsabilização dos sócios gerentes, tratando-a como se regra fosse pelo tão só fato de constar no título o nome do coobrigado.

A aplicação da orientação jurisprudencial deve ser balizada e sua interpretação não pode ser dar de maneira restritiva, sob pena de tornar ainda mais gravosa a situação dos dirigentes. Não se autoriza, por exemplo, como resultado da análise do julgado, a afirmação de que apenas pela via dos embargos poderá o coobrigado se defender, já que, nos dizeres do STJ, a responsabilização ensejará, sempre, discussão em torno de fatos e provas.

Ao contrário, permanece hígida, mesmo em face do recente precedente citado, a possibilidade de o executado argüir de plano a ausência de condições da ação executiva, como, por exemplo, sua ilegitimidade para figurar como responsável tributário em execução fiscal. Para tanto, e nos termos da Súmula 393 do STJ, poderá se valer do instrumento processual da exceção de pré-executividade, acompanhada de prova pré-constituída, apta a ensejar o reconhecimento, de pronto, da nulidade do título executivo em relação a ele, por ausência de condição da ação.

Em suma, não se pretende negar vigência e aplicabilidade ao precedente, mas apenas ressaltar que, como norma de exceção, a regra que autoriza, em hipóteses específicas e determinadas, a responsabilização tributária pessoal dos sócios, administradores deve ser interpretada sob esse enfoque. Assim, muito embora seja dos dirigentes, conforme orientação do STJ, o ônus de comprovar a ausência de atos dolosos tendentes à fraude e sonegação fiscal, ao Fisco não se permite atuar com arbitrariedade e de forma abusiva. Compete sim, ao Estado e ao Poder Judiciário, cuidar para que a norma seja cumprida e o escopo da lei alcançado, de modo a sancionar apenas aqueles que, deliberada e comprovadamente, tenham extrapolado, na atividade de gerência e administração, os limites legais e contratuais que estavam obrigados a observar.

Fonte: HTJ advogados

ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES