A Dra. Isadora de Assis Souza comenta sobre o ICMS – importação

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A Constituição da República, no inciso IX do §2º de seu art. 155, dispõe que o ICMS incidirá também “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.

A expressão “destinatário da mercadoria, bem ou serviço” constante do texto constitucional vem causando diversas controvérsias sobre qual o Estado detém a competência tributária para cobrança do ICMS – importação nas situações em que a mercadoria é desembaraçada em um Estado, o importador tem sede em outro e as mercadorias são revendidas/encaminhadas a um terceiro ente federativo. Na prática, o tributo estadual é cobrado do importador e adquirente das mercadorias importadas pelos três Estados envolvidos na seqüência de operações, em clara hipótese de insegurança jurídica e ofensa ao pacto federativo.

A questão, todavia, parece mais complexa do que realmente é. O Supremo Tribunal Federal já analisou a matéria e pacificou entendimento sobre a competência tributária do ICMS nas hipóteses de importação intermediada por terceiros.

A primeira premissa fixada pelo STF diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador do ICMS – importação. Com o julgamento do RE 192.711, restou assentado que a ordem constitucional atual substituiu “a entrada da mercadoria no estabelecimento do importador para o do recebimento da mercadoria importada, como aspecto temporal do fato gerador do tributo, condicionando-se o desembaraço das mercadorias ou do bem importado ao recolhimento, não apenas dos tributos federais, mas também do ICMS incidente sobre a operação.”

Todavia, o ICMS – importação não caberá ao Estado em que foi feito o desembaraço aduaneiro; esse Estado somente determina o aspecto espacial do fato gerador, em nada modificando a competência tributária, que pertence à pessoa política em que situado o destinatário da mercadoria, como restou consignado no emblemático acórdão proferido no RE 299.079.

A dúvida quanto à competência para cobrança do ICMS – importação, destarte, estaria restrita a dois Estados: aquele em que situado o estabelecimento do importador e aquele para onde as mercadorias foram destinadas após a importação. Acentuando as controvérsias acerca do tema, o art. 11 da Lei Complementar 87/96, ao regulamentar o art. 155 da CR/88, dispõe que o local da operação ou da prestação, em se tratando de bem ou mercadoria importado do exterior, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física.

A resposta à essa questão está no acórdão proferido no RE 299.079 e nas discussões dos Ministros durante o seu julgamento. Naquela oportunidade, concluiu o ilustre Ministro Carlos Aires Britto, no que foi acompanhado à unanimidade pelos seus nobres pares, que o sujeito passivo (contribuinte) do imposto é quem realizou a importação, ou seja, aquele que promoveu o ingresso jurídico do bem no território nacional, esclarecendo que o destinatário referido no texto constitucional sempre será o importador.

Desta feita, as disposições da legislação complementar não determinam a competência para cobrança do ICMS – importação, tão somente definem o local da operação. Aquela sempre é definida pela localização do estabelecimento do importador, como bem salienta Sacha Calmon Navarro Coelho, ao afirmar que:

“A alínea ‘d’ do inciso I está a transformar as relações entre os estados federados, por isso que o termo ‘entrada física’ dá a idéia de que o desembarque puro e simples de mercadoria importada, em dado estabelecimento, basta para caracterizar o fato gerador. Assim, todavia, não é. (…) O imposto, diga-se, pertence sempre ao estado onde estiver situado o estabelecimento importador.”

Nessa ordem de idéias, é possível afirmar que, em se tratando de importação de bens, existem duas operações distintas a serem consideradas: a importação do bem e a sua venda pelo importador no mercado interno. E o texto constitucional, ao direcionar o ICMS – importação ao Estado do destinatário da mercadoria importada, por óbvio referiu-se ao destinatário jurídico da operação de importação, e não ao destinatário final de todas as operações de transferência do bem na cadeia produtiva interna. A existência da duplicidade de operações foi bem destacada pelo Ministro Marco Aurélio, em seu voto-vista proferido no julgamento do RE 299.079, ocasião em que consignou que as operações subseqüentes à importação em nada interferem na competência tributária, fixada no momento do desembaraço aduaneiro:

“No caso, trata-se de tributo sobre a importação, e não possuindo a recorrida estabelecimento no Estado do Rio de Janeiro, mas em Pernambuco, a este cabe o imposto. Impossível é valorizar-se o desembarque de modo a se afastar do cenário jurídico a norma constitucional definidora do Estado titular do tributo. Assim, somo meu voto ao do relator e desprovejo o extraordinário, ressaltando mais uma vez que a conclusão seria diversa se a recorrida fosse proprietária de estabelecimento no destino, no Estado do Rio de Janeiro. Repito que o negócio jurídico subseqüente à importação, que foi a venda à Petrobras, não repercute na relação tributária primitiva.”

A única exceção à essa regra foi tratada pelo próprio STF, no julgamento do RE 268.586, em que restou fixada a competência tributária do ICMS – importação ao Estado da situação do adquirente das mercadorias importadas. A modificação da regra se justifica pelas contornos fáticos específicos do caso apresentado, em que a sociedade importadora, sediada no Espírito Santo e beneficiária do sistema FUNDAP, atuou como verdadeiro “laranja” na operação de nacionalização das mercadorias, em clara situação de fraude contra o fisco.

Perceba-se, então, que não é o prévio destino das mercadorias a Estado distinto daquele em que situado o importador o que altera a competência tributária do ICMS – importação; mas sim a simulação, caracterizada pela vantagem fiscal auferida e pela atuação da figura do importador como mero “testa-de-ferro” na operação realizada.

Desta feita, com base nos julgados acima mencionados e nos acórdãos proferidos no RE 590243, AI 663936, AI 635746, RE 396859, entre tantos outros, pode-se resumir o entendimento do STF da seguinte forma: quando o importador importar mercadorias já previamente destinadas a adquirente localizado em Estado distinto do seu, o ICMS – importação deve ser recolhido ao seu Estado, a não ser que o negócio jurídico entre o importador e o adquirente seja simulado, com a conseqüente declaração de sua nulidade.

Fonte: HTJ advogados

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