Dr. João Gabriel Duarte discorre sobre o alcance subjetivo da cláusula compromissória

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O ALCANCE SUBJETIVO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS ESTATUTOS E CONTRATOS SOCIAIS

João Gabriel Duarte Nunes da Silva

Questão interessante e de suma relevância, no entanto, ainda não decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, diz respeito ao alcance subjetivo das cláusulas compromissórias nos estatutos sociais das Sociedades Anônimas e nos contratos sociais das Sociedades Limitadas. Muito embora a utilização do mecanismo da arbitragem para dirimir conflitos entre sócios de uma sociedade empresária não seja matéria nova, pouco se discute sobre o seu alcance subjetivo, ou seja, uma vez incluída a cláusula compromissória em um estatuto ou contrato social, será ela mandatória para todos os sócios?

Determina a Lei de Arbitragem Brasileira que só poderão ser submetidos a esta espécie de procedimento os conflitos relativos aos direitos patrimoniais e disponíveis, preservando, assim, a cognição do juízo estatal no que diz respeito aos litígios que versem sobre interesse público e direitos indisponíveis. No âmbito societário estariam, pois, sujeitos à resolução pelo método arbitral conflitos como: questões acerca do preço de emissão de ações em aumento de capital; o ressarcimento de perdas e danos sofridos pelo acionista minoritário em razão de abuso de controle por parte do acionista controlador; o exercício do direito de voto etc. Dúvidas recaem, no entanto, sobre sua aplicação irrestrita para todos os sócios, tenham eles concordado expressamente com a adoção da cláusula compromissória ou não.

A mais renomada doutrina nacional sobre o tema afirma que devido ao caráter eminentemente consensual da arbitragem, estaria a sua adoção adstrita ao consentimento expresso das partes. MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK entendem que a eficácia da cláusula compromissória em um estatuto ou contrato social depende de expressa declaração de vontade das partes envolvidas, não podendo ser aplicada aos acionistas que não aderiram ao pacto, pois, do contrário, restaria ferido o direito essencial do acionista de socorrer-se ao Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV da CR/88). Nesse sentido, o acionista/cotista que votar contra a inclusão da cláusula compromissória no estatuto/contrato social, ou deixar de aderir a ela através de um termo de adesão, não se vincula, porquanto a arbitragem só pode ser instituída mediante manifestação formal e voluntária daquele que convenciona se submeter à decisão arbitral.

Lado outro, entendem alguns estudiosos que o estatuto/contrato social tem alicerces completamente diferentes dos contratos bilaterais, porquanto naquele os direitos e deveres convergem para a persecução do objeto social da sociedade empresária. Assim, a exigência da aprovação da totalidade dos acionistas para que a cláusula compromissória prevista no estatuto/contrato social se torne válida e eficaz para todos poderia trazer entraves à própria evolução da sociedade, vez que estaria obrigada a paralisar suas atividades toda vez que os seus sócios não concordassem, por unanimidade, com certa modificação estatutária. Adota-se aqui, portanto, o critério da maioria no interesse exclusivo da pessoa jurídica, abstraindo considerações de ordem individual.

Nessa ordem de idéias, uma vez aprovada pela maioria absoluta dos acionistas, torna-se a cláusula compromissória obrigatória, porquanto se terá respeitado o princípio majoritário que a todos vincula. Nessa esteira, encontra-se o Decreto Legislativo Italiano n.º 05/2003, que em seu art. 34(6) determina que se a cláusula compromissória não for introduzida no ato constitutivo da sociedade, a modificação do estatuto para a inclusão da mesma deverá ser aprovada por sócios que representem, no mínimo, 2/3 do capital social. Os discordantes à inclusão da referida cláusula poderão exercer o direito de recesso em 90 dias, entendendo a doutrina italiana que a sua permanência na sociedade importa em aceitação tácita de permanência na sociedade.

Tratando-se, pois, de tema embrionário, que sequer conta com jurisprudência a respeito, preciso é que se estabeleça a real extensão da cláusula compromissória nos estatutos/contratos sociais. Aderimos à segunda corrente acima exposta, no sentido de não ser exigida a expressa anuência dos sócios à cláusula de arbitragem para solução de conflitos internos à sociedade empresária. O que obsta o acesso de um sócio ao Poder Judiciário é a decisão da maioria dos contratantes, partes de um contrato plurilateral (contrato de sociedade), devendo se submeter às regras ali previstas. Deve o sócio se submeter ao princípio majoritário, como o faz para todas as outras decisões tomadas na sociedade, pois é nesta decisão majoritária que se fundamenta a liberdade do sócio para contratar ou não a cláusula compromissória. Para além disso, privilegia-se, assim, a celeridade, a especialidade e a eficiência na solução dos conflitos dessa natureza, porquanto as demandas prolongadas desenvolvidas sob o aparelho estatal muitas vezes comprometem o bom desenvolvimento das atividades empresariais.

Fonte: HTJ advogados

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