Dra. Ana Vitória Mandim Theodoro comenta a Súmula 401 do STJ

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A Dra. Ana Vitória Mandim Theodoro, sócia do escritório Humberto Theodoro Júnior Advogados Associados, comenta a nova Súmula nº 401 do Superior Tribunal de Justiça, em artigo intitulado “Breves comentários sobre a Súmula 401 do STJ: prazo para ajuizamento da ação rescisória”.

No artigo, a Dra. Ana Vitória discorre sobre o posicionamento adotado em súmula pelo STJ acerca do prazo para ajuizamento da ação rescisória, apontando as impropriedades técnicas desse entendimento.

Leia a íntegra abaixo:

Breves comentários sobre a Súmula 401 do STJ: prazo para ajuizamento da ação rescisória

O Superior Tribunal de Justiça aprovou, recentemente, uma nova súmula pacificando a questão do prazo para a propositura da ação rescisória nos casos em que a coisa julgada é formada progressivamente: Súmula nº 401 – “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”

O entendimento sumulado rompe com o posicionamento tradicional e tranquilo da jurisprudência e da doutrina acerca da possibilidade de que questões autônomas de mérito fossem se tornando indiscutível, por força da coisa julgada material, dentro do processo em momentos distintos.

A tese acima renegada pela Súmula 401 encontra sustentação na estrutura do ordenamento jurídico sobre a formação da coisa julgada e o julgamento do mérito da causa, no todo ou em partes, em atos decisórios diversos.

A sentença, ato formal vocacionado a solucionar o mérito da causa, não obstante seja formalmente una, substancialmente comporta divisão em vários capítulos, onde são decididas questões de mérito autônomas e independentes. Se o inconformismo da parte refere-se a um ponto específico do decisum, sem impugnar a matéria remanescente, esta questão, indubitavelmente, não poderá ser discutida e, portanto, transita em julgado.

A norma insculpida no art. 515 do CPC impede que o capítulo de mérito autônomo que não foi objeto de recurso seja objeto de rejulgamento ou reexame pelo Tribunal. Opera-se, então, em relação à questão não recorrida a coisa julgada material.

O efeito do julgamento fracionado do mérito da causa, por meio de capítulos autônomos e independentes, em momento diverso, se faz notar principalmente no plano da ação rescisória, já que sendo diferente a coisa julgada formada para cada fração do mérito, o prazo para rescindir cada capítulo em que a demanda se desdobrou também será diferente.

Ressalta Barbosa Moreira que “se partes distintas da sentença transitam em julgado em momento também distintos, a cada qual corresponderá um prazo decadencial com seus próprios dies a quo: vide Pontes de Miranda, Trat. da ação resc., 5ª. ed, p. 535” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, ed. Forense, 7ª ed., 1998, p. 215, nota de rodapé nº 224).

Nesse sentido é o item II do enunciado 100 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, como também, até pouco tempo, era o entendimento do STJ: “Este Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que ‘se as partes distintas da sentença transitarem em julgado em momentos também distintos, a cada qual corresponderá um prazo decadencial com seus próprios dies a quo, para fins de ajuizamento de ação rescisória’ (Precedentes)” (STJ, RESp 331888/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª. T, jul. 07.11.2002, DJ 02.12.2002, p. 334). No mesmo sentido: STJ, REsp 299.029/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª. T, jul. 26.05.2004, DJ 25.10.2004, p. 399.

Não obstante, a princípio, a jurisprudência admitir, tranquilamente, que o termo inicial do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória se contar do trânsito em julgado da decisão que decidiu a questão que a parte pretende rescindir, a 2ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça divergiu deste entendimento e passou a decidir que “o termo inicial para o ajuizamento da ação rescisória é a data do trânsito em julgado da última decisão da causa, independente de o recurso ter sido interposto por apenas uma das partes ou a questão a ser rescindida não ter sido devolvida ao Tribunal. O trânsito em julgado material somente ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso.” (STJ, RESp. 415.586/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, jul. 12.11.2002, p. 328).

Para justificar a inadmissão do fracionamento da coisa julgada, argumenta-se que a ação é única e indivisível, não há, portanto, como dividir a sentença para atribuir-lhe a qualidade de coisa julgada material a desafiar o termo inicial decadencial da ação rescisória. O trânsito em julgado da decisão rescindenda, um dos pressupostos do cabimento da ação rescisória, só ocorre com o encerramento do processo.

Este posicionamento comete, data venia, um equívoco técnico, pois não é a tipicidade do ato decisório que conduz à formação da coisa julgada, é o seu conteúdo. Se o mérito da causa, no todo ou em parte, é resolvido, a respeito das questões decididas se verificará a res iudicata, pouco importando se, formalmente, o ato decisório foi uma sentença, uma decisão interlocutória, um acórdão ou uma decisão singular do relator no âmbito do tribunal.

Para nova corrente jurisprudencial que começou a se formar, admitir em sentido contrário, ou seja, que o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória não se conta da última decisão proferida no processo, mas, sim, do trânsito em julgado da decisão que decidiu a questão que a parte pretende rescindir, estar-se-á criando um tumulto processual “na medida em que se torna possível haver uma numerosa e indeterminável quantidade de coisas julgadas em um mesmo feito, mas em momentos completamente distintos e em relação a cada partes” (STJ, REsp 639.233/DF, Rel. Min. José Delgado, 1ª T, jul 06.12.2005, DJ 14.09.2006 p. 258).

O processo como instrumento de aplicação do direito e viabilização da paz social, com a eliminação de conflitos, não pode ser um gerador de conturbação processual. Por isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em detrimento da técnica processual e da interpretação sistemática do ordenamento jurídico que prevê a indiscutibilidade de questões de mérito que já tenham, no curso do processo, transitado em julgado, e permite, inclusive, a execução definitiva destas questões, deu ao artigo 495 do CPC, por meio da Súmula 401, a seguinte exegese:

“Consoante o disposto no art. 495 do CPC, o direito de propor a ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa” (STJ, EREsp 404.777/DF, Rel. p/ acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, in DJ 11.04.2005).

O certo é que mesmo com a adoção da Súmula 401, que unificou o posicionamento jurisprudencial acerca do termo inicial decadencial da ação rescisória, outros questionamentos surgirão a partir desta interpretação. Tomemos como exemplo, a decisão singular, proferida pelo juízo de primeiro grau, que excluiu um dos litisconsortes passivo da lide, sem extinguir a relação processual em relação aos demais réus. A decisão não desafiou recurso. Não há como negar, que em relação ao réu excluído operou-se a coisa julgada, ainda que o processo esteja tramitando. Neste caso, dever-se-ia aguardar o julgamento de todas as demais questões de mérito, que nenhuma relação tem com o réu excluído, para se promover a ação rescisória? Tendo a decisão sido proferida pelo juízo de primeiro grau, e o mérito da causa julgado definitivamente, em relação ao outro réu, pelo Superior Tribunal de Justiça, na regra da Súmula 401, que órgão seria competente para julgar a ação rescisória que decidiu sobre a ilegitimidade do réu excluído? Como manejar a ação rescisória perante o Superior Tribunal de Justiça, se este órgão não se pronunciou sobre esta questão?

Ademais, só se pode pensar em unidade da ação quando e pedido é único ou quando os vários pedidos reunidos além de conexos são prejudiciais uns em relação aos outros. Quando, porém, se reúnem pedidos autônomos em um só processo o que realmente acontece é uma reunião de ações. Se, portanto, os sucessivos recursos se referem a pedidos autônomos entre si, e a coisa julgada em relação a cada um deles se aperfeiçoou em momentos distintos, não há como entrever uma coisa julgada unia para efeito de também desafiar uma única ação rescisória. Assim, como o STJ não tem competência para reexaminar os capítulos autônomos do acórdão do Tribunal local não integrantes do recurso especial, também não terá competência para rescindir o mesmo acórdão no que diz respeito às questões que não lhe foram devolvidas pelo especial.

Aliás, o problema é de ordem constitucional porque segundo a Carta Magna o STF, o STJ, os Tribunais Regionais Federais e enfim todos os Tribunais só têm competência para rescindir seus próprios acórdãos e nunca os acórdãos de outros Tribunais, mesmo quando hierarquicamente inferiores. Basta atentar para os arts. 102, I, “j”, 105, I, “e” e 108, I “b”, todos da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal já definiu que “a competência para ação rescisória não é do STF, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório” (Súmula 515 do STF).

Então, o fundamento da pretensa unidade da ação e da coisa julgada, invocado para justificar a unidade também da ação rescisória, é de todo insustentável dentro da estrutura constitucional do Poder Judiciário e da competência dos diversos Tribunais que o compõem.

Fonte: HTJ advogados

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