Dra Ester Norato comenta decisão do STJ de que sentença não prejudica agravo sobre tutela antecipada
A sentença torna prejudicado recurso interposto em face de decisão sobre antecipação de tutela: Considerações sobre recente decisão do STJ em sentido contrário
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, nos embargos de divergência EREsp 765.105-TO, julgados em 17 de março de 2010, que não resta prejudicado, pela superveniência de sentença, o agravo de instrumento interposto em face de decisão afeta a antecipação de tutela.
A divergência analisada circunscreveu-se a decisões da Segunda e Terceira Turmas do Superior Tribunal de Justiça, eis que, enquanto a Terceira Turma decidiu que a sentença de mérito superveniente não prejudica o agravo de instrumento interposto contra a tutela antecipada, a Segunda Turma decidiu que o recurso relativo à antecipação da tutela perde o objeto com a superveniência da sentença de procedência, que absorve os seus efeitos, por se tratar de decisão proferida em cognição exauriente. Consoante bem pontuou o Min. Relator Hamilton Carvalho, numa palavra, situa-se a divergência em se a sentença de procedência torna prejudicado o recurso interposto contra a decisão que defere antecipação de tutela.
Seguindo o voto do e. Min. Ministro Relator, a Corte Especial fundou sua conclusão, alcançada por maioria, no fundamento de que a antecipação de tutela não antecipa a sentença de mérito, mas sim a própria execução do julgado que, por si só, não produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada.
Acredita-se, no entanto, que a Corte Especial não laborou com acerto, data venia. Isso porque os caracteres que individualizam a medida de urgência em análise conduzem a conclusão diametralmente oposta, tendo o Superior Tribunal de Justiça, neste caso, equivocadamente, redobrada vênia, desconsiderado os caracteres técnicos da antecipação de tutela.
Não se olvida que a antecipação de tutela permite a imediata execução dos efeitos do provimento definitivo de procedência do pleito inicial. Contudo, tal constatação não é suficiente para sustentar o interesse no julgamento de recurso, versando sobre essa medida de urgência, quando já proferida sentença definitiva de mérito, eis que, exatamente para dotar a sentença da mesma força que goza a decisão interlocutória concessiva da antecipação de tutela, o legislador retirou o efeito suspensivo do recurso de apelação interposto em face de sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela (art. 520, inciso VII, acrescentado pela Lei nº 10.352/2001). No mesmo direcionamento, mesmo em caso de indeferimento em primeira instância da tutela antecipada, prejudicado é o agravo de instrumento interposto dessa decisão quando já proferida sentença, sendo facultada à parte, entendendo haver urgência e risco que demande medida de emergência, pleiteá-la em sede recursal.
A antecipação de tutela é espécie de medida de urgência e, portanto, caracteriza-se por fundar-se em juízo de probabilidade, decorrente de cognição sumária efetuada sobre a lide. Outrossim, no sistema vigente, é também notabilizada pela provisoriedade, revelando que constitui provimento a ser substituído por outro futuro, dotado de definitividade e, portanto, com o condão de ensejar a formação de coisa julgada material.
Em vista desses caracteres, não há razão para subsistir discussão em agravo de instrumento quanto à tutela antecipada, provimento provisório e fundado em juízo de probabilidade, quando já exarada decisão definitiva de mérito, isto é, sentença lastreada em juízo de certeza oriundo de cognição exauriente.
Entender de modo diverso, acredita-se, é prestigiar impropriamente o juízo de probabilidade em detrimento do juízo de certeza, a provisoriedade em prejuízo da definitividade.
Conclui-se, pois, que a melhor compreensão da matéria encontra sede no voto vencido no julgado, proferido pelo Ministro Teori Albino Zavascki, que com grande precisão técnica destacou o caráter temporário e provisório da antecipação de tutela. Vejam-se trechos de seu judicioso voto: Assim considerada a situação, não há dúvida de que, processualmente, está prejudicado o julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão deferitória da liminar, já que esta esgotou inteiramente a função para a qual foi deferida no processo. Com efeito, as medidas liminares, tanto as antecipatórias quanto as tipicamente cautelares, são provimentos jurisdicionais com características e funções especiais. São editados em situações peculiares de ocorrência ou de iminência de risco ou de perigo de dano ao direito ou ao processo. Justamente em razão da urgência, são medidas tomadas à base de juízo de verossimilhança, que, por isso mesmo, se revestem de caráter precário, não fazem coisa julgada e podem ser modificadas ou revogadas a qualquer tempo. Elas exercem, no contexto da prestação jurisdicional, uma função de caráter temporário, vigorando apenas pelo período de tempo necessário à preparação do processo para o advento de outro provimento, tomado à base de cognição exauriente e destinado a dar tratamento definitivo à controvérsia. (…) É por isso que o julgamento da causa esgota a finalidade da medida liminar. Daí em diante, prevalece o comando da sentença, tenha ele atendido ou não ao pedido do autor ou simplesmente extinguido o processo sem exame do mérito. Procedente o pedido, fica confirmada a liminar anteriormente concedida bem como viabilizada a imediata execução provisória (CPC, art. 520, VII). Improcedente a demanda ou extinto o processo sem julgamento de mérito, a liminar fica automaticamente revogada, com eficácia ex tunc (súmula do 405 do STF), ainda que silente a sentença a respeito. A partir de então, novas medidas de urgência devem, se for o caso, ser postuladas no âmbito do próprio sistema de recursos, seja a título de efeito suspensivo, seja a título de antecipação da tutela recursal, medidas que são cabíveis não apenas em agravo de instrumento (CPC, arts. 527, III e 558), mas também em apelação (CPC, art. 558, § único) e, como medida cautelar, em recursos especiais e extraordinários (Regimento Interno do STF, art. 21, IV; Regimento Interno do STJ, art. 34, V).
Fonte: HTJ advogados