Dra. Isadora de Assis comenta sobre planejamento tributário

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Algumas considerações sobre planejamento tributário

Isadora de Assis e Souza

Com a obrigatoriedade de adoção do SPED – sistema de escrituração contábil digital e a convergência das normas contábeis aos padrões internacionais (IFRS), voltou à cena o planejamento tributário, muito discutido no começo dos anos 2000 pela edição da Lei Complementar 104/2001 e do Novo Código Civil.

A justificativa para se retomarem as discussões sobre planejamento tributário reside na diminuição da margem de manobra dos contribuintes em relação aos fatos levados à tributação, tanto pela maior fiscalização do Fisco diante da escrituração digital, quanto pelo enrijecimento das normas contábeis causado pela sua padronização internacional. Com isso, muitas das práticas comumente desenvolvidas pelos contribuintes que reduziam o valor dos tributos a recolher, antes não questionadas pelo Fisco em razão das dificuldades de fiscalização e da inexistência de normas contábeis específicas sobre os temas, agora estão mais vulneráveis à ação fiscal.

Destarte, a elaboração de planejamentos tributários bem fundamentados torna-se ainda mais premente, de modo a evitar as pesadas multas fiscais aplicadas às hipóteses de desconsideração dos negócios jurídicos celebrados pelos contribuintes.

Em primeiro plano, devem-se diferenciar os institutos do planejamento tributário e da evasão fiscal. Apesar de algumas distinções, a doutrina é uniforme ao classificá-los. A evasão sempre será ilícita: configura-se quando o contribuinte deixa de levar à tributação os fatos geradores já ocorridos ou quando a fuga do tributo devido ocorre mediante fraude ou simulação. A elisão ou planejamento tributário é a subtração lícita ao tributo, ou seja, sempre antes de ocorrido o fato gerador, evitando-se a sua ocorrência ou diminuindo-se a base de cálculo do tributo. Consiste na escolha, dentre as opções dadas pela legislação para a realização de determinada operação, daquela que seja tributariamente menos onerosa ao contribuinte, ou seja, aquela que cause o menor impacto tributário.

Isso importa reconhecer que a simples prática de atos que pretendem evitar que a obrigação tributária se materialize não será, por si só, ilícita. Afinal, nada mais absurdo que se pretender que o contribuinte, diante de dois caminhos igualmente lícitos, seja obrigado a escolher aquele que lhe seja mais oneroso. Essa obrigação não existe no direito privado e nem no direito tributário – e nem poderia existir sob pena de ofender frontalmente a Constituição, cuja ordem econômica se funda na livre iniciativa e protege a propriedade privada (art. 170 da CF).

Nessa ordem de idéias, tem-se que o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, apelidado por alguns de norma geral antielisiva do direito brasileiro, pouco inovou no ordenamento jurídico pátrio, já que não impediu o planejamento tributário lícito. Ao contrário, apenas reafirmou a nulidade, perante o Fisco, dos negócios jurídicos incompatíveis com as normas de direito privado. Veja-se o teor do dispositivo legal comentado:

“Art. 116 (…)

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

E para anular os atos e negócios jurídicos que caracterizem evasão fiscal, o Fisco sempre terá de se valer dos institutos de direito privado, positivados no Código Civil de 2002, para encontrar as causas de nulidade dos negócios jurídicos, de modo a atender o art. 109 do CTN (“Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”).

Diante do panorama ora apresentado, é fácil perceber que somente os negócios jurídicos que desatendam aos requisitos previstos nos arts. 166 e 167 do CCB/02 poderão ser objeto de desconsideração pelo Fisco. Não existe previsão genérica de ilícitos tributários, o que inviabiliza a ocorrência de evasão fiscal sem que algum dispositivo, seja do direito tributário, seja do direito privado, tenha sido frontalmente inobservado.

Com isso, a teoria do ‘business purpose’, mesmo que não adotada expressamente pela legislação brasileira para amparar a legalidade dos planejamentos tributários, assume fundamental importância já que o intuito negocial traz indícios de que os negócios realizados pelo contribuinte são coerentes às finalidades a que se pretende, não tendo sido utilizados com a única e exclusiva finalidade de economizar tributos. Nesse sentido, exemplificativo o acórdão nº 107-07.596 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, que afasta os indícios de evasão fiscal quando os negócios celebrados tenham respaldo negocial:

“INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS – GLOSA DE PREJUÍZO – IMPROCEDÊNCIA. A denominada ‘incorporação às avessas’, não proibida pelo ordenamento, realizada entre empresas operativas e que sempre estiveram sob controle comum, não pode ser tipificada como operação simulada ou abusiva, mormente quando, a par da inegável intenção de não perda de prejuízos fiscais acumulados, teve por escopo a busca de melhor eficiência das operações entre ambas praticadas.”

Destarte, as alterações legislativas operadas no início desta década e as recentes modificações instrumentais referentes à contabilidade demonstram a necessidade da realização de planejamentos tributários interdisciplinares. Se anteriormente eles podiam ser desenvolvidos somente pelo setor gerencial e contábil das empresas, hoje em dia a presença do jurista é imprescindível. Sem um bom diálogo entre administração (que define quais as intenções para a realização do negócio), jurídico (que irá escolher os tipos negociais legalmente previstos que se adéqüem às finalidades almejadas pelo gestor) e financeiro (quem conseguirá operacionalizar as práticas em atendimento às normas internacionais de contabilidade), os planejamentos tributários ficarão mais suscetíveis à desconsideração do Fisco.

Fonte: HTJ advogados

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