Dra. Natália Lima comenta sobre as tendências da jurisprudência do STJ sobre bem de família

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Bem de família: tendências da jurisprudência do STJ

Nas últimas semanas estiveram em pauta no Superior Tribunal de Justiça dois recursos especiais em que se discutia a interpretação em torno de dispositivos da Lei nº. 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Trata-se dos recursos especiais 1.178.469/SP e 1.141.732/PR, ambos submetidos à apreciação da Terceira Turma.

No julgamento do REsp 1.178.469/SP, de relatoria do Ministro Massami Uyeda, foi apreciada a questão da impenhorabilidade de propriedade de luxo constituída como bem de família. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidira pela possibilidade do desmembramento do imóvel de luxo como forma de garantir o direito dos credores, já que a manutenção da propriedade, altamente dispendiosa, implicaria em evidente favorecimento dos devedores.

O STJ, todavia, muito embora admita o desmembramento do imóvel para fins de penhora quando não houver descaracterização da moradia, entendeu que o simples fato de o imóvel ser considerado de luxo não autoriza o afastamento da regra da impenhorabilidade do bem de família, dado o seu caráter de norma de ordem pública e de cunho social.

Já no julgamento do REsp 1.141.732/PR, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o objeto era a possibilidade de descaracterização do imóvel como bem de família na hipótese de oferecimento voluntário da propriedade como garantia hipotecária, em benefício do filho dos proprietários-fiadores. Entendeu o STJ que não seria legítima a pretensão dos pais de descaracterizar a penhora recaída sobre o bem com fundamento na impenhorabilidade instituída pela Lei nº. 8.009/90.

A conclusão alcançada prestigia a boa-fé e afasta a utilização do instituto pelos devedores como subterfúgio para se eximir de obrigações assumidas com conhecimento dos riscos envolvidos, pois, mesmo sendo o imóvel o único bem de família, a constituição da garantia se deu de forma voluntária, implicando em renúncia da impenhorabilidade.

Confira-se a ementa do referido julgado:

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE.

1. A exceção do art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. Precedentes.

2. A comunidade formada pelos pais e seus descendentes se enquadra no conceito legal de entidade familiar, inclusive para os fins da Lei nº 8.009/90.

3. A boa-fé do devedor é determinante para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite dos processos de cobrança. O fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família certamente é sopesado ao oferecê-lo em hipoteca, ciente de que o ato implica renúncia à impenhorabilidade. Assim, não se mostra razoável que depois, ante à sua inadimplência, o devedor use esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivaleria à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(STJ, 3ª T., REsp 1141732/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 09/11/2010, DJe 22/11/2010)

A aparente contradição que ressalta do confronto entre os julgados revela, na verdade, uma tendência do Superior Tribunal de Justiça de interpretar as questões afetas à impenhorabilidade do bem de família não sob o prisma objetivo do valor da propriedade, mas sim com ênfase na intenção das partes e no respeito ao princípio da boa-fé. O fato, por si só, de se tratar de imóvel valioso, não enseja a descaracterização da impenhorabilidade do bem de família que efetivamente se destina à moradia da entidade familiar. Por outro lado, o ato voluntário de gravar o único bem de família com garantia hipotecária prestada em benefício da entidade familiar não autoriza a defesa posterior no sentido de que tal bem seria impenhorável, sob pena de se referendar a malícia do devedor.

Em suma, observa-se claramente dos julgados em análise a preocupação do STJ em conferir efetividade ao benefício legal instituído quanto ao bem de família, sem olvidar, contudo, da necessidade de repudiar atos praticados por devedores que, sob o manto da impenhorabilidade, buscam fraudar credores, em evidente desrespeito ao princípio da boa-fé.

Fonte: HTJ advogados

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