Dra. Natália Nogueira analisa a regra da solidariedade na cisão parcial de sociedade anônima

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O julgamento do REsp 753.159/MT: análise da regra da solidariedade na cisão parcial de sociedade anônima

O instituto da cisão, regulado pelo artigo 229 e seguintes da Lei nº. 6.404/76, tem sido objeto de recorrentes debates no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, especialmente nos diversos recursos submetidos à apreciação daquele tribunal em que se discutem os efeitos do processo de cisão parcial da TELEBRÁS, notadamente sob a ótica da responsabilidade por fatos pretéritos à cisão. É nesse contexto que se revela a importância do julgamento do REsp 753.159/MT, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, oportunidade em que a questão restou enfrentada a fundo, com definição de uma série de premissas que certamente irão nortear os julgamentos seguintes. Antes, porém, de passar ao exame do precedente, releva anotar as características do processo que culminou na privatização do serviço de telefonia no Brasil, imprescindíveis à compreensão das questões subsequentes decididas pelo STJ.

A Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, sociedade de economia mista controlada pela União Federal e vinculada ao Ministério das Comunicações, exercia, no passado, o controle de grande parte das concessionárias do serviço de telefonia no país, como a Telepar no Paraná, a Telerj no Estado do Rio de Janeiro, a Telesp em São Paulo e a Telemig em Minas Gerais (exceção era a Companhia RioGrandense de Telecomunicações – CRT, que não integrava o Sistema TELEBRÁS).

Pondo em prática o Programa Nacional de Desestatização, o Governo, em julho de 1998, promoveu a cisão da TELEBRÁS e vendeu as 12 holdings criadas por força desse processo. Foram alienadas, portanto, as empresas originadas do processo de cisão parcial da TELEBRÁS, compostas com o capital que esta detinha em cada uma das operadoras locais de telefonia fixa, em que ela era sempre a acionista controladora. Dessa forma, transferiu-se à iniciativa privada do controle acionário das companhias de telefonia fixa e de longa distância, bem como das de telefonia celular-banda A.

A privatização, portanto, não foi das empresas locais de telefonia, mas, sim, das empresas formadas com o capital da TELEBRÁS, nascidas de sua cisão parcial. Tratou-se, pois, de alienação de controle, através da criação de novas sociedades a partir do bloco de controle que a TELEBRÁS detinha em cada uma das operadoras locais. A consequência prática dessa operação é que as novas sociedades não assumiram as obrigações da própria TELEBRÁS. A empresa estatal, controlada pela União, permaneceu existindo, visto que alienou às novas empresas apenas o bloco de controle que detinha em cada uma das operadoras locais.

Ademais, restou convencionado no termo de cisão que criou as Teles, as hipóteses, ‘numerus clausus’, em que se operaria a transferência de responsabilidade para as novas sociedades criadas, no que diz respeito às obrigações decorrentes de fatos geradores anteriores à cisão. Nesse sentido, consta de tal termo que só foram transferidas às novas empresas as obrigações provisionadas na contabilidade da TELEBRÁS, e desde que esse provisionamento constasse do anexo que instruiu o termo de justificação e protocolo da cisão parcial da TELEBRÁS.

Definido, pois, o antecedente fático do precedente analisado, passa-se a evidenciar as conclusões extraídas pelo STJ a partir do processo acima narrado.

O Recurso Especial 753.159/MT teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso na defesa dos interesses individuais homogêneos de 7.500 promitentes-assinantes que celebraram contratos de participação financeira com a extinta Telemat (concessionária federal atuante no estado do Mato Grosso) e receberam, em contrapartida, ações da própria concessionária. A alegação do Ministério Público era de que teria havido prejuízo aos contratantes na medida em que as ações para retribuição da participação financeira foram emitidas pela própria concessionária, em detrimento da TELEBRÁS, cujos papéis se valorizaram muito mais do que a sucessora da Telemat, no caso, a Brasil Telecom.

Reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a demanda, passou-se à análise da tese de ilegitimidade passiva da Brasil Telecom para responder por obrigações decorrentes de negócios jurídicos celebrados antes da cisão da TELEBRÁS, tendo em vista que o protocolo de cisão excepcionou a regra de solidariedade ao consignar expressamente que as novas empresas criadas por ocasião da cisão parcial apenas seriam responsáveis pelas contingências expressamente elencadas no termo de cisão.

Assim, a respeito da existência ou não de solidariedade por consectários obrigacionais oriundos de contratos celebrados antes da cisão da Telebrás, decidiu-se que, havendo exceção à regra expressamente estipulada no protocolo de cisão, não incidiria a solidariedade, abrindo-se aos credores, todavia, a oportunidade de impugnar os termos da cisão, no prazo de 90 (noventa) dias.

Contudo, em relação aos credores com títulos futuros da cindida, ainda que relativamente a negócios pretéritos, entendeu-se que as restrições à solidariedade constantes no protocolo de cisão não os atingiriam, sendo inaplicáveis em relação a eles. O fundamento para se chegar a tal conclusão é justamente o de que descabe a aplicação do parágrafo único do art. 233 da Lei nº. 6.404/76 nestas hipóteses, pois, se os alegados créditos não existiam por ocasião da cisão, a esses credores não se oportunizou a impugnação dos seus termos, pelo que não podem ser prejudicados em virtude de restrição sobre a qual não puderam se manifestar.

Em suma: no processo que importou na privatização do sistema de telefonia, ocorrido via cisão parcial da TELEBRÁS, o protocolo de cisão excepcionou a regra da solidariedade, pelo que as novas sociedades criadas permaneceram responsáveis apenas por determinadas obrigações da cindida. Todavia, em relação aos títulos surgidos após a cisão, mas com origem anterior, não se aplica a exceção (art. 233, parágrafo único da Lei nº. 6.404/76), pois não se possibilitou a esses credores qualquer tipo de oposição à exclusão da regra da solidariedade, sendo a sucessora, nesse caso, parte legítima para responder por obrigações anteriores à cisão.

Fonte: HTJ advogados

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