Dra. Vanessa Jacob comenta regime legal dos juros de mora e seus efeitos sobre a coisa julgada

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Dra. Vanessa Elisa Jacob Ferreira, advogada do escritório Humberto Theodoro Júnior Advogados Associados, comenta sobre a alteração do regime de juros de mora em artigo intitulado “Alteração do regime legal dos juros de mora e seus efeitos sobre a sentença exeqüenda: ofensa à coisa julgada?”, no qual discute se é ofensiva à coisa julgada a aplicação de índice diverso do que constou no título executivo.

Leia a íntegra abaixo:

Alteração do regime legal dos juros de mora e seus efeitos sobre a sentença exeqüenda: ofensa à coisa julgada?

O Código Civil de 2002 promoveu, dentre outras modificações, a alteração do regime legal dos juros de mora, que deixou de ser à razão de 0,5% ao mês ou 6% ao ano (art. 1.062, CC/1916) para sê-lo “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (art. 406, CC/2002), i.e., de 1% ao mês ou 12% ao ano (art. 161, § 1º¸CTN).

Nesse quadro de referências, sobreveio o debate concernente à aplicação ou não dessa novel regra incidentemente aos casos em que já proferida sentença condenatória sob a égide do Código Civil de 1916, mas encontra-se o cumprimento dessa decisão submetido ao período em que vigente o Código Civil de 2002.

Debate esse que pode ser convertido na seguinte indagação: é ofensiva à coisa julgada a aplicação de índice diverso do que constou no título executivo?

A hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de não haver violação à coisa julgada, haja vista ser a obrigação do devedor de arcar com juros de mora de trato sucessivo, devendo incidir imediatamente a lei modificadora. Frise-se, ainda, que não existe direito adquirido a regime jurídico, como o é o atinente aos juros de mora, porquanto sua origem é ex lege. Conforme assevera Paul Roubier:

“Essa submissão ao regime da lei tem, por conseqüência direta, a unidade da legislação de um país; o legislador que decida fazer reger uma certa ordem, por ele escolhida, nas relações jurídicas, não pode suportar a concorrência de outra lei. O regime legal, numa determinada soberania, tende a ser pela força mesma das coisas, um regime unitário e é para assegurar essa unidade de legislação que é preciso aplicar logo a lei, mesmo às situações em curso.” (apud STF, 2ª T., RE 95320/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, ac. 18.05.1982, R.T.J. 105, p. 735)

Esse entendimento amolda-se ao preceito estatuído no artigo 471, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, in verbis: “Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; (omissis)”.

Nesse contexto, exsurge para a parte credora a possibilidade de requerer, na fase de cumprimento de sentença (art. 475-B c/c 475-J, CPC), a revisão do percentual de 6% para 12% ao ano após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, acaso a sentença que verse sobre relação de cunho continuativo assim não preveja.

Como já assinalado, a jurisprudência das duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu as quatro situações em que é passível de surgir dúvida quanto ao índice a ser aplicado. A solução, com efeito, deverá passar pela data de prolação da sentença exeqüenda:

“(a) se esta foi proferida antes do CC/02 e determinou juros legais, deve ser observado que, até a entrada em vigor do novo CC, os juros eram de 6% ao ano (art. 1.062 do CC/1916), elevando-se, a partir de então, para 12% ao ano;

(b) se a sentença exeqüenda foi proferida antes da vigência do CC/02 e fixava juros de 6% ao ano, também se deve adequar os juros após a entrada em vigor dessa legislação, tendo em vista que a determinação de 6% ao ano apenas obedecia aos parâmetros legais da época da prolação;

(c) se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais, também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, de 12% ao ano; e

(d) se a sentença é posterior ao novo CC e determina juros de 6% ao ano e não houver recurso, deve ser aplicado esse percentual, eis que a modificação depende de iniciativa da parte” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.112.746/DF, Rel. Min. Castro Meira, ac. 12.08.2009. No mesmo sentido: STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1.070.154/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, ac. 16.12.2008, DJ 04.02.2009; STJ, 1ª T., REsp 901.756/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, ac. 06.03.2007, DJ 02.04.2007, p. 259; STJ, 1ª T., REsp 814.157/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 02.05.2006; STJ, AgRg no Ag 686.807/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 16.08.2004).

Em suma e à guisa de conclusão, a norma que estabelece o regime legal dos juros moratórios é de cunho cogente, pelo que incide imediatamente à sua entrada em vigor, alcançando as situações em curso, sem que tal represente ofensa à coisa julgada por dizer respeito a relação de trato continuado.

Fonte: HTJ advogados

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